21.4.06

mountain 3
























Eu vi Eurídice caindo da montanha. Vi quando partiu. Pensou que eu estava dormindo e foi sem se despedir. Mas ouvi o ruído da porta se fechando. Da janela pude vê-la diminuindo na paisagem até desaparecer por completo por entre as árvores. Eurídice se partiu em pedacinhos.
Meus olhos ficaram cansados de esperar que surgisse no meio daquele matagal. As semanas passaram sem eu me dar conta, os meses, os anos. Eurídice nunca mais voltou nem eu deixei de esperá-la. Meus versos molharam numa chuva. Meus olhos secaram na primavera. E então, pela primeira vez, em anos, pude colher as flores que nasceram no meu jardim.

sem título III


É você mais uma vez faltando na minha vida... Na sexta-feira quando cheguei em casa e estava tudo em ordem, como tinha deixado de manhã, estranhei. Aquela não parecia ser a minha casa, nem o meu início de fim-de-semana. Tinha um recado seu na secretária-eletrônica, mas era para a nossa faxineira. Não tem nada a ver ficarmos separados. Essa distância é um erro. Mas quem não comete erros? Na verdade, errei não indo embora quando você me deixou na mão pela primeira vez.
Agora despencou uma chuva. A cidade ficou embaçada e eu senti o peso da solidão a que me coloquei. Milles Davies está tocando no rádio. Os carros passam lentos pela orla e as poucas pessoas que estão na rua, correm para lugares secos. A Lagoa está cinza e vazia. Parece comigo hoje de manhã. Você é tão orgulhoso e eu falso-suficiente. A minha cama é grande demais e o espelho do banheiro ficou pequeno para nós dois. Nem um e-mail seu na minha caixa, nem um torpedo, nem um telefonema. Assim eu vou te esquecer logo. Vou comprar um gato, umas flores e uma roupa pra sair sexta à noite. Vou juntar suas coisas numa caixa e deixar na portaria do seu prédio. Eu vou fingir que não te amo mais nem sinto saudades. E vou tentar ser feliz com minha cama vazia de você.

16.2.06

função do 1º grau




Eu não sabia mais onde poderia encontrar você e por isso resolvi voltar para o meu apartamento. Tinha começado a chover e refrescar o ambiente. Troquei de roupa, sentei-me no sofá com uma xícara de chá. Coloquei Maria Callas pra ouvir pois precisava de algo que fosse forte e duradouro. Apaguei as luzes da sala e deixei apenas as do corredor. Eu estava cansado e frustrado. Passei o dia todo te procurando pelo centro da cidade naquele sol de começo de verão. Você não deveria era ter combinado nada já que provavelmente sabia que não iria. E nem ligou para dar uma satisfação. Fui ao seu trabalho, ao restaurante onde costuma almoçar, ao café, a livraria. Encontrei pessoas que não via há muito tempo. Comprei um livro do García Márquez, tomei café com creme, falei com seus amigos do trabalho. Toda nossa relação foi assim como o dia de hoje. Eu te procurando e não te achando e no meio do caminho, me pegava fazendo coisas que jamais imaginei que fosse fazer sozinho. Hoje foi o fim da linha para mim. Cansei de sua forma de se relacionar comigo. Hoje, andando pelas ruelas do centro, percebi que nossa relação é tão simples que parece uma equação de 1o grau. Aquelas em que x está em função de y e nada mais que isso. Mas nesse caso, x foi igual a zero. Eu não quero mais estar em função de você. Esse tipo de relação é muito interessante aos treze, catorze anos quando tudo se resume ao colégio, aos cinemas e pizzas, ou videogames. Você parece que tem doze anos e gostos adocicados. Eu não quero mais saber de você nem de seus perfumes com essências esportivas. Eu sei quem foi Mário Quintanna e não acho ópera coisa de velho. Nem quero passar uma tarde da minha vida te procurando como se você fosse uma pepita de ouro. Não preciso de você e vice-versa. O telefone está tocando e é você. Alguma explicação mirabolante vai sair de sua boca. Algo que te aproxime dos onze anos de idade. Que diga amanhã porque hoje não quero ter ouvidos pra você. E acho que os pontos finais são para os dias de sol quente e céu azul. Não é o caso agora.

15.2.06

i get along without you very well





Verão. Numa cafeteria na Urca. Cinco da tarde. Pessoas estão voltando para casa. Diana Krall está tocando. Pouca luz no lugar, velas nas mesas.
- Onde foi que estávamos?
- Não sei, faz tanto tempo. Será que paramos no tempo?
O garçom chega trazendo os cafés. Coloca creme em um deles apenas. Trouxe croissants e uma garrafinha d’água.
- Quando te vi hoje na rua não acreditei.
- Eu também não. Tenho sonhado com você nessas últimas noites. Sonhos estranhos porque eu quero te dizer algo, mas sempre surge uma situação que me impede. E então, eu acordo.
- Eu tava arrumando meu armário e achei uma carta sua. Tinha um poema que você fez pra mim há cinco anos atrás. Tem uma citação em italiano.
- Eu me lembro quando escrevi aquilo. Éramos tão diferentes naquela época...Tínhamos uma inocência estranha, um pouco maldosa. Eu gostava tanto de você.
- Não fale assim. Você não gosta mais de mim?
- A nossa relação perdeu totalmente o sentido pra mim. Não me vejo mais do seu lado, não espero nada de você, não faço planos.
- Você sempre foi tão radical, tão intenso. Nunca te acompanhei.
- Você nunca acompanhou o amor que eu sentia. Eu criei uma pessoa que não existiu. Eu te amei em silêncio.
Agora está tocando I get along without you very well. Eles sorriem. Numa noite ouviram essa música até a exaustão.
- Quantas vezes você me fez ouvir essa música aquela noite? Eu estava tão feliz...
- É, que paciência você tinha comigo...
- Era amor que você não enxergava porque era diferente da sua forma de amar. Você não reconheceu o amor que eu te dei e jogou fora.
- Que palavras duras. Sabe que não é bem assim. Não vamos entrar nesses jogos de acusações.
- Desculpe. Não é só você que guarda mágoas da nossa relação.
- Eu imagino que não, mas passou. O que temos agora de fato? Nada ou memórias, que no fundo não valem nada.
A noite chegou. Eles se encaram em silêncio. Astor Piazzolla esta tocando.
- Vamos tomar uma champagne?
- Que temos a comemorar? Uma relação que acabou?
- À noite que está linda e não tem nada a ver com nossos tropeços. E ter te encontrado hoje de surpresa na rua...
- Eu também gostei. Sim, vamos comemorar a esse reencontro. A uma nova reaproximação.
- Não. Eu não tenho essa intenção, desculpe. Sei que não daria certo.
- Por que? Temos tanta coisa em comum.
- Não temos mais nada, senão essa garrafa de champagne que nos é comum está noite. Isso não te parece o bastante? A nossa vida juntos nunca deu certo. Eu percorri um caminho tortuoso quando estive ao seu lado. Eu amei sozinho.
- Eu te amei também, já disse. Só que diferente, de outra forma.
- Agora isso não tem mais importância. Fiquemos satisfeitos com o que temos agora, nesta noite. É o bastante para mim. Podemos seguir a vida tendo esse dia como um presente, uma surpresa agradável.
- Você se tornou tão leve. Que fez esse tempo para se transformar dessa maneira?
- Eu amei algumas pessoas certas e deixei que elas me amassem também.
Ficaram em silêncio por um longo tempo até que o garçom trouxe a conta. Despediram-se com um abraço. Prometeram que se encontrariam, se ligariam. A tentativa veio por um lado, mas não houve correspondência. Nem o acaso tentou reaproximá-los outra vez.

23.1.06

treze de maio




Eu fechei os olhos e quando abri você não estava mais do meu lado. Foi naquela manhã em que resolvi que tudo ia mudar. Mas você só tinha ido na esquina comprar pão. Eu decidi que era hora de ir embora e virar a página da minha vida. Fazer uma nova história. Fazia tanto sol nesse dia e eu precisava mais que tudo de um óculos escuro. Na minha mochila tinha minha carteira de dinheiro, meu discman e as chaves da minha casa. Coloquei uma música qualquer só pra me distrair. O caminho estava longo até a minha casa. Estava ficando cansado. Meu celular ficou na sua casa. Na noite passada tive o pior sexo da minha vida. Alguma coisa se perdera entre nós. Você falhou na missão de me conquistar. Esqueceu que eu estava ali quase o tempo todo. E olha que eu tentei mais de... Sei lá. Perdi a conta das tantas vezes que tentei que desse certo. Nem amigos estávamos sendo no final das contas. Não havia mais nada. Eu esqueci de mim. Esqueci que eu era importante. Esqueci minha agenda. Que merda! Ainda bem que existe portaria. Salve! O chato é a cara de “eu sabia que ia dar nisso” do porteiro. Mas é melhor que ter que encontrá-lo agora. O céu começou a nublar e a ventar. Bem que poderia cair uma chuva pra lavar essa cidade. Já consigo avistar meu prédio. Minha janela, minhas plantas. Tenho que pegar as chaves que dei pra ele. E devolver as dele. Mas só na semana que vem quando eu voltar de viagem. Minha cabeça vai estar mais no lugar. Tem tanta gente bonita na praia hoje. Vai demorar um tempo pra eu voltar a ativa e viver outra relação. Acho que me apaixonar não. É tão fácil se apaixonar. Ainda mais numa cidade como essa. Tenho que ficar quietinho. E começar a malhar. Onde será que estão os solteiros desse lugar? Tenho que procurar minha agenda de telefones. Se bem que tem tanto tempo que não ligo pra ninguém. Meus amigos coloridos já devem ter desbotado. Todo mundo se casa hoje em dia. Eu tinha virado mais um enfeite na sua vida. Ninguém se casa com um enfeite. Mas eu não queria casar não. Gosto de morar só. E eu te conheci quando fui procurar apartamento no seu prédio. Mas não tinha nenhum. Você tinha sido o último a alugar ali. E você me deu a dica de outro. E é esse que moro atualmente. Demorou pra gente dar o primeiro beijo. Transar foi mais rápido. Eu estava saindo de um namorico que tinha me dado dor de cabeça. Não pensava em me envolver tão rápido. Mas tanto insistiu, que eu topei. Foi o tempo em que eu mais freqüentei cafeterias. E o que mais fumei marlboro light. Nesse lugar só tinha essa marca. Nem me lembro que tanto assunto nós tínhamos pra conversar. Era bom demais. Os dias tinham mais cor, mais brilho, mais perfume. Na época eu usava Jazz. E ouvia muito também com você. Aquela pessoa que você se mostrou no começo, eu tentei resgatar nos últimos tempos. Claro que não consegui. Ela não existe mais. Nem aquele que eu mostrei pra te conquistar. Nós nos perdemos em nós próprios. Mas valeu. Agora que cheguei em casa começou a chover. Na verdade é um temporal. Minha secretária com dez recados. Oito são seus. Meu horóscopo de hoje fala de “bons fluidos” e “passado vindo à tona”. Que dia é hoje mesmo? Ah, treze de maio. Bela data.