16.2.06

função do 1º grau




Eu não sabia mais onde poderia encontrar você e por isso resolvi voltar para o meu apartamento. Tinha começado a chover e refrescar o ambiente. Troquei de roupa, sentei-me no sofá com uma xícara de chá. Coloquei Maria Callas pra ouvir pois precisava de algo que fosse forte e duradouro. Apaguei as luzes da sala e deixei apenas as do corredor. Eu estava cansado e frustrado. Passei o dia todo te procurando pelo centro da cidade naquele sol de começo de verão. Você não deveria era ter combinado nada já que provavelmente sabia que não iria. E nem ligou para dar uma satisfação. Fui ao seu trabalho, ao restaurante onde costuma almoçar, ao café, a livraria. Encontrei pessoas que não via há muito tempo. Comprei um livro do García Márquez, tomei café com creme, falei com seus amigos do trabalho. Toda nossa relação foi assim como o dia de hoje. Eu te procurando e não te achando e no meio do caminho, me pegava fazendo coisas que jamais imaginei que fosse fazer sozinho. Hoje foi o fim da linha para mim. Cansei de sua forma de se relacionar comigo. Hoje, andando pelas ruelas do centro, percebi que nossa relação é tão simples que parece uma equação de 1o grau. Aquelas em que x está em função de y e nada mais que isso. Mas nesse caso, x foi igual a zero. Eu não quero mais estar em função de você. Esse tipo de relação é muito interessante aos treze, catorze anos quando tudo se resume ao colégio, aos cinemas e pizzas, ou videogames. Você parece que tem doze anos e gostos adocicados. Eu não quero mais saber de você nem de seus perfumes com essências esportivas. Eu sei quem foi Mário Quintanna e não acho ópera coisa de velho. Nem quero passar uma tarde da minha vida te procurando como se você fosse uma pepita de ouro. Não preciso de você e vice-versa. O telefone está tocando e é você. Alguma explicação mirabolante vai sair de sua boca. Algo que te aproxime dos onze anos de idade. Que diga amanhã porque hoje não quero ter ouvidos pra você. E acho que os pontos finais são para os dias de sol quente e céu azul. Não é o caso agora.

15.2.06

i get along without you very well





Verão. Numa cafeteria na Urca. Cinco da tarde. Pessoas estão voltando para casa. Diana Krall está tocando. Pouca luz no lugar, velas nas mesas.
- Onde foi que estávamos?
- Não sei, faz tanto tempo. Será que paramos no tempo?
O garçom chega trazendo os cafés. Coloca creme em um deles apenas. Trouxe croissants e uma garrafinha d’água.
- Quando te vi hoje na rua não acreditei.
- Eu também não. Tenho sonhado com você nessas últimas noites. Sonhos estranhos porque eu quero te dizer algo, mas sempre surge uma situação que me impede. E então, eu acordo.
- Eu tava arrumando meu armário e achei uma carta sua. Tinha um poema que você fez pra mim há cinco anos atrás. Tem uma citação em italiano.
- Eu me lembro quando escrevi aquilo. Éramos tão diferentes naquela época...Tínhamos uma inocência estranha, um pouco maldosa. Eu gostava tanto de você.
- Não fale assim. Você não gosta mais de mim?
- A nossa relação perdeu totalmente o sentido pra mim. Não me vejo mais do seu lado, não espero nada de você, não faço planos.
- Você sempre foi tão radical, tão intenso. Nunca te acompanhei.
- Você nunca acompanhou o amor que eu sentia. Eu criei uma pessoa que não existiu. Eu te amei em silêncio.
Agora está tocando I get along without you very well. Eles sorriem. Numa noite ouviram essa música até a exaustão.
- Quantas vezes você me fez ouvir essa música aquela noite? Eu estava tão feliz...
- É, que paciência você tinha comigo...
- Era amor que você não enxergava porque era diferente da sua forma de amar. Você não reconheceu o amor que eu te dei e jogou fora.
- Que palavras duras. Sabe que não é bem assim. Não vamos entrar nesses jogos de acusações.
- Desculpe. Não é só você que guarda mágoas da nossa relação.
- Eu imagino que não, mas passou. O que temos agora de fato? Nada ou memórias, que no fundo não valem nada.
A noite chegou. Eles se encaram em silêncio. Astor Piazzolla esta tocando.
- Vamos tomar uma champagne?
- Que temos a comemorar? Uma relação que acabou?
- À noite que está linda e não tem nada a ver com nossos tropeços. E ter te encontrado hoje de surpresa na rua...
- Eu também gostei. Sim, vamos comemorar a esse reencontro. A uma nova reaproximação.
- Não. Eu não tenho essa intenção, desculpe. Sei que não daria certo.
- Por que? Temos tanta coisa em comum.
- Não temos mais nada, senão essa garrafa de champagne que nos é comum está noite. Isso não te parece o bastante? A nossa vida juntos nunca deu certo. Eu percorri um caminho tortuoso quando estive ao seu lado. Eu amei sozinho.
- Eu te amei também, já disse. Só que diferente, de outra forma.
- Agora isso não tem mais importância. Fiquemos satisfeitos com o que temos agora, nesta noite. É o bastante para mim. Podemos seguir a vida tendo esse dia como um presente, uma surpresa agradável.
- Você se tornou tão leve. Que fez esse tempo para se transformar dessa maneira?
- Eu amei algumas pessoas certas e deixei que elas me amassem também.
Ficaram em silêncio por um longo tempo até que o garçom trouxe a conta. Despediram-se com um abraço. Prometeram que se encontrariam, se ligariam. A tentativa veio por um lado, mas não houve correspondência. Nem o acaso tentou reaproximá-los outra vez.